quinta-feira, 2 de maio de 2013

Atividade On Line III - Interpretando...


Cenário da sociabilidade contemporânea

Os sonhos dos adolescentes

A
o longo de 30 anos de clínica, encontrei várias gerações de adolescentes (a maioria,, mas não todos, de classe média) e, se tivesse que comparar os jovens de hoje com os de dez ou 20 anos atrás, resumiria assim: eles sonham pequeno. É curioso, pois, pelo exemplo de pais, parentes e vizinhos, os jovens de hoje sabem que sua origem não fecha seu destino: sua vida não tem que acontecer necessariamente no lugar onde nasceram, sua profissão não tem que ser a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma proliferação extraordinária de ficções e informações, eles conhecem uma pluralidade inédita de vidas possíveis.
            Apesar disso, em regra, os adolescentes e os pré-adolescentes de hoje têm devaneios sobre seu futuro muito parecido com a vida da gente: eles sonham com um dia a dia que, para nós, adultos, não é sonho algum, mas o resultado (mais ou menos resignado) de compromissos e frustrações.
            Um exemplo. Todos os jovens sabem que Greenpeace é uma ONG que pratica ações duras e aventurosas em defesa do meio ambiente. Alguns acham muito legal assistir, no noticiário, à intrépida abordagem de um baleeiro por um barco inflável de ativistas. Mas, entre eles, não encontro ninguém (nem de 12 ou 13 anos) que sonhe em ser militante do Greenpeace. Os mais entusiastas se propõem a estudar oceanografia ou veterinária, mas é para ser professor, funcionário ou profissional liberal. Eles são “razoáveis”: seu sonho é um ajuste entre suas aspirações heroico-ecológicas e as “necessidades” concretas (segurança do emprego, plano de saúde e aposentadoria). [...]
            É possível que, por sua própria presença maciça em nossas telas, as ficções tenham perdido sua função essencial e sejam contempladas não como um repertório arrebatador de vidas possíveis, mas como um caleidoscópio para alegrar os olhos, um simples entretenimento. Os heróis percorrem o mundo matando dragões, defendendo causas e encontrando amores solares, mas eles não nos inspiram: eles nos divertem, enquanto, comportadamente, aspiramos a um churrasco [...] com os amigos.
            É também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os adultos não saibam mais sonhar muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de os adolescentes inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós renunciamos. Pode ser que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas falas, as aspirações das quais desistimos, eles se deparem apenas com versões melhoradas da mesma vida acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada época tem os adolescentes que merece.

Calligaris, Contardo. Os sonhos dos adolescentes. Folha de S. Paulo, 11 jan. 2007. Ilustrada, p. E10.



Esta atividade estará liberada para a realização no período de 06/05/2013 à 18/05/2013.

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