Cenário da sociabilidade
contemporânea
Os
sonhos dos adolescentes
A
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o longo de 30 anos de clínica, encontrei várias
gerações de adolescentes (a maioria,, mas não todos, de classe média) e, se
tivesse que comparar os jovens de hoje com os de dez ou 20 anos atrás,
resumiria assim: eles sonham pequeno. É curioso, pois, pelo exemplo de pais,
parentes e vizinhos, os jovens de hoje sabem que sua origem não fecha seu
destino: sua vida não tem que acontecer necessariamente no lugar onde nasceram,
sua profissão não tem que ser a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma
proliferação extraordinária de ficções e informações, eles conhecem uma pluralidade
inédita de vidas possíveis.
Apesar
disso, em regra, os adolescentes e os pré-adolescentes de hoje têm devaneios
sobre seu futuro muito parecido com a vida da gente: eles sonham com um dia a
dia que, para nós, adultos, não é sonho algum, mas o resultado (mais ou menos
resignado) de compromissos e frustrações.
Um
exemplo. Todos os jovens sabem que Greenpeace é uma ONG que pratica ações duras
e aventurosas em defesa do meio ambiente. Alguns acham muito legal assistir, no
noticiário, à intrépida abordagem de um baleeiro por um barco inflável de
ativistas. Mas, entre eles, não encontro ninguém (nem de 12 ou 13 anos) que
sonhe em ser militante do Greenpeace. Os mais entusiastas se propõem a estudar
oceanografia ou veterinária, mas é para ser professor, funcionário ou profissional
liberal. Eles são “razoáveis”: seu sonho é um ajuste entre suas aspirações
heroico-ecológicas e as “necessidades” concretas (segurança do emprego, plano
de saúde e aposentadoria). [...]
É
possível que, por sua própria presença maciça em nossas telas, as ficções
tenham perdido sua função essencial e sejam contempladas não como um repertório
arrebatador de vidas possíveis, mas como um caleidoscópio para alegrar os
olhos, um simples entretenimento. Os heróis percorrem o mundo matando dragões,
defendendo causas e encontrando amores solares, mas eles não nos inspiram: eles
nos divertem, enquanto, comportadamente, aspiramos a um churrasco [...] com os
amigos.
É
também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os adultos não saibam
mais sonhar muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de os adolescentes
inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós renunciamos. Pode ser
que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas falas, as aspirações das
quais desistimos, eles se deparem apenas com versões melhoradas da mesma vida
acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada época tem os adolescentes
que merece.
Calligaris, Contardo. Os
sonhos dos adolescentes. Folha de S. Paulo, 11 jan. 2007. Ilustrada, p. E10.
Esta atividade estará liberada para a realização no período de 06/05/2013 à 18/05/2013.
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