quarta-feira, 1 de maio de 2013

A sociologia e o trabalho do sociologo


“No fim de semana passado, três homens suspeitos de roubo foram linchados na periferia de Salvador. No sábado, Emílio Oliveira Silva e Michael Santa Izabel, acusados de saquear residências da vizinhança, foram linchados por mais de 30 pessoas. Emílio fio morto a paulada. Domingo, a vítima foi um homem de identidade desconhecida. Ele também foi perseguido por mais de 30 moradores, que o acusavam de roubar uma TV. Morreu no local, a 200 metros de onde Emílio e Michael foram atacados. Na noite de segunda feira, em Ribeirão Preto(SP), o estudante Caio Maneghetti Fleury Lombardi que invadiu um posto de gasolina, atropelou o frentista Carlos Pereira Silva e tentou fugir, sofreu uma tentativa de linchamento. Por fim, na quinta feira, um adolescente da Fundação Casa (ex-Febem) foi linchado até a morte por outros internos em Franco da Rocha(SP).
                Foram cinco casos noticiados em 6 dias. Não se trata de uma epidemia – em nosso contexto, é algo normal. José de Souza Martins, sociólogo e colaborador do “Alias”, estuda linchamentos há quase 30 anos e documentou 2 mil casos. [...]

O Brasil é o país que mais lincha no mundo?

                Possivelmente. Isso nos últimos 50 anos, período que minha pesquisa abrange. Não dá para ter certeza, porque linchamento é o tipo de crime inquantificável. Mesmo os americanos, quando tentaram numerar seus casos, tiveram fontes precárias. O linchamento é um crime altruísta, ou seja, um crime social com intenções sociais. O linchador age em nome da sociedade. É um homem de bem que sabe que está cometendo um delito e não quer visibilidade. Por outro lado, no Código Penal brasileiro não existe o crime de linchamento, somente homicídio. Então, ele não aparece nas estatísticas. Os casos são diluídos. Estimo que aconteçam de 3 a 4 linchamentos no País por semana, na média. São Paulo é a cidade que mais lincha. Depois vêm Salvador e Rio de Janeiro.

Que análise o senhor faz de um país habituado ao linchamento?

                As sociedades lincham quando a estrutura do Estado é débil. Há momentos históricos em que isso acontece. Na França, depois da 2º Guerra Mundial, quando não havia uma ordem política, havia a tonsura (a raspagem dos cabelos) de mulheres que tiveram relações sexuais com nazistas. Era uma forma de estigmatizar, para que ela ficasse marcada. O linchamento original, nos Estados Unidos, tinha essa característica.

O que configura o linchamento?

                É uma forma de punição coletiva contra alguém que desenvolveu uma forma de comportamento antissocial. O antissocial varia de momento para momento e de grupo para grupo. Na França, ter traído a pátria era um motivo para linchar. No caso da Itália, aconteceu o mesmo. No Brasil, é o fato de não termos justiça, pelo menos na percepção das pessoas comuns. Nesse caso do atropelamento de um frentista em Ribeirão Preto, por exemplo, o delegado decidiu inicialmente por crime culposo (depois mudou para doloso). As pessoas que tentaram linchar o rapaz acreditavam que não haveria justiça, já que a pena seria mais leve por conta da atenuante.

Qual o perfil de quem é linchado?

                Em geral, é linchado o pobre, mas há várias exceções. Há uma pequena porcentagem superior de negros em relação a brancos. Se um branco e um negro, separadamente, cometem o mesmo crime, a probabilidade de o negro ser linchado é maior.

Que criminoso é mais vulnerável?

                O linchado pode ser desde o ladrão de galinha até o estuprador de crianças. Sem dúvida, os maiores fatores são os casos de homicídio. Se a vítima do assassino é uma criança ou um jovem, ou se houve violência sexual, os linchamentos são frequentes. Há muitas ocorrências por causa de roubo, especialmente se o ladrão é contumaz. Acredito que tenha sido o caso dos rapazes em Salvador. A própria população estabelece uma gradação de pena que vai impor ao linchado. Essa é a dimensão de racionalidade num ato irracional.

Como funciona essa gradação?

                Um ladrão de galinha vai sair muito machucado – e pode acontecer de ele morrer. Mas o risco de ser queimado é mínimo. Co o estuprador é o contrário. Há também uma escala de durabilidade do ódio. Se um ladrão sobreviver durante 10 minutos de ataque, está salvo. Tem havido muitas tentativas de linchamento em acidentes de trânsito. Mas normalmente a polícia chega logo e evita o ataque.

Mulheres são linchadas?

                É raríssimo. Mos 2 mil casos que estudei, há dois ou três em que um mulher foi vítima. Agora há muitas mulheres linchadoras no Brasil. Mulheres e crianças.

Quem são os linchadores no Brasil?

                Não há uma divisão de ricos e pobres. De modo geral, os linchamentos são urbanos. Ocorrem em bairros de periferia. Porém, há linchamentos no interior do país, onde quem atua é a classe média. O caso mais emblemático é o de Matupá, no Mato Grosso. O linchamento foi filmado e passado pela televisão, no noticiário. Três sujeitos assaltaram o banco, a população conseguiu linchá-los e queimá-los vivos. Isso foi à classe média. E quando a classe média lincha, a crueldade tende a ser maior, por que ela tem prazer no sofrimento da vitima. O pobre é igualmente radical, porém é mais ritual na execução do linchamento.
[...]

Estamos todos sujeitos a participar de um linchamento?

                Se você tem valores bem fundamentados, não vai participar de um linchamento. Ele envolve pessoas cuja referência social é frágil. O problema é que elas são maioria no Brasil. Estima-se que 500 mil brasileiros tenham participado de linchamento nos últimos 50 anos. Não é um número pequeno.

Matéria de Flávia Tavares para o Caderno “Alias”, do jornal o Estado de S. Paulo, de 17 fev. 2008. Disponível em: http://www.estadao.com.br.
Acesso em: 21 nov. 2008.




Esta atividade estará liberada para a realização no período de 01/05/2013 à 11/05/2013.

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